Maioria das famílias consideradas pobres nos EUA tem ar-condicionado em casa, micro-ondas e pelo menos um carro
Foto: Getty Images
Caixas de leite são retiradas de isopor em programa para entrega do produto para pobres em Manhattan e no Bronx (6/10/2011)
A pobreza americana, porém, é muito diferente da latino-americana. Uma pesquisa da Fundação Heritage, utilizando os dados levantados pelo próprio Censo, aponta que, entre as famílias consideradas pobres nos EUA:
- 80% têm ar-condicionado em casa;
- 92% têm forno de micro-ondas;
- quase 75% têm pelo menos um carro;
- mais de 60% têm TV a cabo;
- mais da metade tem computador, e 43% têm acesso à internet;
- 83% das famílias afirmam ter alimentos suficientes;
- 42% delas são proprietárias das residências onde moram.
“Não estamos dizendo que nos EUA não existe pobreza, mas claramente trata-se de uma pobreza muito diferente dos países de terceiro mundo”, disse ao iG Rachel Sheffield, uma das autoras da pesquisa da Fundação Heritage. “Essas pessoas passam necessidades, têm dificuldades para chegar até o fim do mês com algum dinheiro, mas não são miseráveis”, afirmou.
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Nos EUA, consideram-se extremamente pobres aqueles cuja renda anual não chega a US$ 10 mil (ou US$ 833 por mês - R$ 17.589 e R$ 1.465, respectivamente). Uma pessoa é considerada pobre se sua renda anual não chegar a US$ 11.334 (ou US$ 944 por mês - R$ 19.965 e R$ 1.663, respectivamente), enquanto uma família de quatro pessoas é considerada pobre se a renda familiar anual não chegar a US$ 22.314 (ou US$ 1.860 mensais - R$ 39.306 e R$ 3.276, respectivamente).
No Brasil, uma família com essa renda é considerada classe B, ou seja, a classe média tradicional. Se fossem usadas as medidas americanas no Brasil, metade da população seria considerada pobre, incluindo dois terços da classe média do País. É importante entender, porém, que os custos de vida nos EUA são em média mais altos que no Brasil e, por isso, mesmo ganhando mais, o poder de consumo dos pobres americanos não é necessariamente maior que o de parte dos pobres brasileiros.
Mulheres são principais atingidas
Também é interessante notar que a pobreza americana atinge mais mulheres que homens. Elas representam 53,4% do total de pobres nos EUA, ou 27,7 milhões. A outra metade é dividida entre homens e crianças. A grande maioria são mulheres imigrantes, negras e/ou mãe solteiras. Mais de 40% das famílias chefiadas por mulheres, sem a presença do pai, estão abaixo da linha de pobreza. Segundo o Censo, 80% dos sem-teto em Nova York são mulheres e crianças.
Acredita-se que o aumento da pobreza nos EUA esteja intimamente ligado a questões familiares e violência doméstica, dois problemas que tendem a aumentar em períodos de crise econômica. “A principal razão que faz uma família (não um indivíduo) cair da classe média para virar pobre é a separação do casal. Os casos mais comuns são: o homem vai embora e deixa a mulher, sem emprego e sem salário, com os filhos. Ou então a mulher tem de fugir com os filhos porque sofre violência em casa”, explicou Sheffield.
Essa história é parecida com a realidade enfrentada por Jasmim Johnson e suas duas filhas em Nova York. Jasmim cresceu vendo sua mãe sofrer por ser viciada em drogas. Seu pai saiu de casa quando ela ainda era uma criança. Com uma educação limitada, ela nunca conseguiu um emprego que pagasse mais de US$ 850 ao mês. Aos 20 anos, Jasmim tinha duas filhas com um homem viciado em cocaína, que quando estava drogado era extremamente agressivo.
Foto: Carolina Cimenti Ampliar
Shirley Brevard, de 70 anos, mostra carterinhas do Medicaid e dos cupons de alimentação
Queda nos subsídios federais
Shirley Brevard, de 70 anos, é uma senhora aposentada de Nova York. Ela trabalhou como dançarina de cabaré por 40 anos e, aos 52, aposentou-se. Atualmente trabalha como voluntária ajudando homens e mulheres desabrigados na sua paróquia no bairro Upper West Side. Shirley não paga aluguel porque mora em um apartamento da prefeitura, em uma habitação pública no Harlem. Além disso, todos os meses ela recebe cupons de alimentação, uma ajuda do governo federal para comprar alimentos (na prática trata-se de um cartão digital que é recarregado todos os meses, com o qual pode comprar comida).
Shirley também é cadastrada no Medicaid, o plano básico de saúde pública dos EUA. Com o pouco que ganha mensalmente com sua aposentadoria (menos de US$ 450), Shirley complementa sua alimentação, paga as contas do apartamento, compra remédios e eventualmente, roupas. “Não sobra nada, mas não dá para reclamar. Tem sempre alguém em uma situação pior que a nossa”, disse.
Ser pobre como Shirley não parece tão difícil, mas a verdade é que os subsídios e as ajudas públicas americanas são cada vez mais escassas, e o número de famílias com necessidades é cada vez mais alto. Os abrigos e as residências populares têm filas de espera de mais de 100 mil famílias somente na cidade de Nova York. Pelo menos 16,3% da população americana não tem nenhum tipo de cobertura médica, nem mesmo Medicaid, a cobertura pública.
Essa é a outra face da moeda. Ser pobre no país mais rico do mundo, onde tudo foi pensado e desenvolvido para quem tem dinheiro de sobra, pode ser um grande desafio. Em algumas cidades dos EUA, apenas o custo com a moradia pode representar até 80% da renda familiar. A saúde pública existe, mas só até o limite pré-determinado pelos próprios hospitais. No ano passado, 1,3% da população da cidade de Nova York, ou 104 mil pessoas, ficou sem teto por pelo menos uma noite, de acordo com dados da prefeitura.
“Trata-se de uma verdadeira década perdida. A família média americana está hoje mais pobre do que há 20 anos”, afirmou Lawrence Katz, professor de economia da Universidade de Harvard.
Michael Callaghan, diretor executivo do Nazareth Housing, organização que oferece abrigo temporário para famílias sem-teto em Nova York, afirma ser mais difícil ser pobre em um país rico do que em um país pobre, assim como, segundo ele, é mais complicado ser pobre em uma cidade rica dos EUA do que em uma mais humilde.
Foto: Carolina Cimenti Ampliar
Michael Callaghan, diretor executivo do Nazareth Housing, organização que oferece abrigo temporário para famílias sem-teto em Nova York
Além disso, mesmo ganhando mais, os pobres americanos podem ter menos poder de consumo que os pobres de países onde os produtos custam menos. “Trabalho com um grande número de famílias, principalmente de mães solteiras com dois ou três filhos que têm de viver com cerca de US$ 20 por dia. Se ela pegar o metrô ou o ônibus para ir trabalhar, gastará US$ 4,50, restando US$ 15,50 para aluguel, comida, roupas e remédios. Em uma cidade cara como Nova York, essa matemática fica simplesmente impossível, porque aqui os preços não foram feitos para esse orçamento; foram feitos para os que ganham pelo menos cinco vezes mais”, comparou Callaghan.
Questionado sobre onde preferiria viver se ganhasse menos de US$ 11 mil por ano, ele respondeu: “Se fosse pobre, preferiria morar no Brasil ou na Guatemala, onde já estive três vezes, do que nos EUA”, afirmou.
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